No entardecer, uma leve brisa

 

O sol descia entre os prédios e mergulhava no horizonte. A paisagem se avermelhava gradativamente e o céu se despia do azul que ostentava um efeito tão distante e infinito. Na calçada da rua elevada, um homem apressou seus passos, caminhando de forma irregular e tortuosa, cortando passagem entre os transeuntes, confrontando seus olhares e esbarrando casualmente. Um deus havia se embalado em nossa própria pele humana, aprendendo a andar, tropeçar, cair e levantar-se. Era o seu o percurso bem mais acidentado num horizonte do qual se perfilavam cenários e imagens que acudiam sua mente facilmente e em sequência ordenada à medida que eram chamadas, as primeiras cedendo lugar às seguintes e, então, desapareciam, para depois se apresentarem novamente.

Luz verde nos sinais de trânsito e nos corações congestionados com sentimentos confusos. O homem continuou avançando. Uma leve brisa passou por ele, mas as árvores que ladeavam a avenida das flores vermelhas, amarelas e alaranjadas nas flamboyants persistiram imóveis. Ele atravessou pela faixa de pedestre e entrou na rua alegria e dobrou à esquerda após passar pela praça do encanto. Ele estava tão deslumbrado, como quem estivesse percorrendo um caminho sagrado e, no meio das fatalidades que pesavam sobre a memória dos miseráveis, não ouvisse os gemidos da humanidade invisível.

Parou no cruzamento entre as avenidas liberdade e confrangimento.

O sol descia ainda mais entre os prédios e a luz começava a esmaecer.

Crenças antigas sobre o fogo sagrado, incêndios nos campos que se adornam depois com um manto verde de natureza viva, o sol e seus raios, o fogo e suas chamas…

Tens fogo? - perguntou-lhe alguém que trazia nas mãos um cigarro.

Eu sou Apolo! - gritou o homem, revelando-se publicamente.

Todos aqueles que estavam próximos o olharam desconfiados. Enganos e tolices se infiltraram indubitavelmente.

Uma auréola em forma de disco apareceu em torno de sua cabeça (o brilho do sol; ou uma aura divina emanando da mente de uma divindade; ou, talvez, apenas um simples adereço decorativo; ou, ainda, alguma dessas placas de proteção colocadas em estátuas de deuses para proteger suas cabeças de excrementos de pássaros).

A luz de um sol cintilante deitou-se à sua vista, agora branda como o fogo amarelo de uma época dourada.

Tons e nuances de sombras se avivaram e possuiram todas as redondezas. Acima das casas, na brancura das nuvens, a lua havia surgido tão desbotada, derramando seu brilho opaco sobre a escuridão. Uma única nota do fogo noturno para as cores de um altar de fogo.

O homem continuou firme no seu poder, refulgindo de um desejo nobremente contido, o seu solene olhar se voltou para o infinito, muito para além da sua contração; pairou-lhe o desdém nos lábios, a indignação intumesceu as suas narinas e subiu aos olhos, mas se estampou em sua fronte uma calma inalterável, e as pupilas se encheram de doçura.

O sol nascerá todas as manhãs - refletiu.


Longos anos com um trago amaldiçoado adornando suas cenas. 

O Sol não envelhece; brilha, e brilha muito!

 

(Eber S. Chaves)

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