Estilhaços
Corpo esbelto quase não afetado pela existência - diante do espelho, contemplava-se.
Helena se aproximou do espelho, um pouco mais perto: - Sou esta que está diante de mim? - perguntou, na tentativa de compreender algo além de sua superfície. Ela sempre notara que nos lábios da imagem no espelho pairava um certo desdém. Uma indignação repentina ardeu em seus olhos, mas logo se abrandou, e as suas pupilas se encheram de doçura.
No espelho, ela via-se aos pedaços. Primeiro fixava-se em seu rosto, depois descia o olhar pelo corpo. E nada encontrava além de superfícies, contornos. Não havia nenhum mistério nisso. E lembrava-se de que, quando pequena, sua imagem era sempre furtiva: passava pelos espelhos se espreitando: aparecia e desaparecia.
Enquanto permanecia em sua contemplação, ao pentear os longos cabelos em frente ao espelho, acidentalmente, derrubou-o ao chão.
Fragmentos móveis de vidros espelhados brilharam num colorido vago, cintilando aleatoriamente. Sobre o chão os fragmentos se multiplicaram. Ela se abaixou, numa tentativa de juntar e colar os pedaços de sua imagem. Sua inquietação, longe de aliviar pela dádiva do amor, se tinha alargado ao ponto de sentir-se aflita, abatida e dependente, desde que conseguira fazer de si mesma esse ser único, sua única companhia.
Descentrada e deportada do seu próprio ser, ela tropeçou em seus pensamentos antes de falar. Palavras eram triviais. E com um doce sorriso nos lábios, então, falou sozinha: - Eu nunca dei a entender que me importava; eu me basto a mim mesma!
Um passo para trás esperando por seu próprio julgamento. Os estilhaços cortavam seus pés. Ela saiu e foi em direção à sala, depois de fechar e trancar a porta do quarto atrás de si.
O delírio às vezes é tão espontâneo quanto o ato de respirar.
Eber S. Chaves (2020)
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