Altar famigerado

Ó Deus, regozijo e aflição do meu espírito, lembra-te da dor que suportastes quando me vistes ainda crescendo no útero, preste a nascer. Por isso, eu te suplico, ó meu Redentor e Destruidor, que te digneis estimular os desejos que pulsam em meu coração e que o sono faça de meu espírito um selo inviolável; e que eu pareça com algo que não possa sentir o toque de anos mundanos; que eu esteja sempre em movimento, girando em torno do curso da terra; que meus olhos tornem visível e corpórea a prata dissolvida em água-forte, a qual de outra forma é invisível; e que meus pensamentos sejam dissolvidos e desapareçam afogados nas fontes de águas vitrioladas – e que essas próprias fontes sejam testemunhas das incoerências que pairam em minha mente. Senhor, não me condene ao fogo perpétuo por causa dos meus delírios. Tu bem sabes que tenho grande simpatia pela beleza e pela imperfeição, elas fluem para mim, e se insinuam através de meus poros. Não entendo bem o motivo de o Senhor ter me dado uma alma insana, mas, nesse momento, sucintos átomos de felicidade preenchem o lugar que foi consumido pela tristeza, lugar onde a nebulosa em forma de rosto orvalha o campo dentro do crânio acidentado. Nesse lugar, no alto da escarpada, edifiquei um altar; altar famigerado pela minha imoralidade. Deixando de cumprir o propósito divino, edifiquei o meu próprio altar – e agi dessa forma sendo levado pelo demônio, o qual sabe que o ser humano necessita de algo para cultuar. Fiquei obcecado com a ideia de ter o meu próprio culto; e estabeleci santuários que levarão a humanidade a cultuar um desconhecido. E esse lugar de veneração tornará o coração do ser humano insaciável. Um precipício chamará outro, e esses altares se multiplicarão: um para a mentira, outro para a sedução; um para os pensamentos impuros, outro para a desonestidade. Nenhum altar é construído com um bom propósito. Eu mesmo permiti que a tentação me induzisse a fazer a minha própria vontade, e não a do Senhor. A minha natureza é a humana, tenho os olhos cheios de fornicação e não cesso de pecar, engodando minha alma inconstante, tendo o coração exercitado na avareza, filho de maldição. Eu sou uma fonte sem água, nuvem levada pela força do vento. Eu prometo-lhes liberdade, sendo escravo da corrupção. Os meus lábios destilam favos de mel, e o meu paladar é mais macio do que o azeite; e aqueles que me seguirão serão como a ave que se apressa para o laço e não sabe que ele está ali contra a sua vida. Aqueles que me seguirão, seguirão a felicidade passageira, a paz de espírito inalcançável. E o meu espírito espreitará as noites futuras, quando os ingênuos se entregarão ao calor do amor e ao frio de uma desilusão amorosa.

Eber S. Chaves

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